26/10/2017

A CULTURA NÃO SE FICA! — Sobre o Orçamento para a Cultura de 2018





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Dois anos passados de governação do PS, no momento em que é conhecida a proposta de Orçamento do Estado para 2018, a plataforma Cultura em Luta — associação informal de dezenas de estruturas culturais e representativas do trabalho cultural, em todos os seus sectores — vem manifestar a sua profunda insatisfação com o rumo até agora seguido e aquilo que este orçamento revela quanto ao futuro. 

A política cultural do governo do PS não trouxe, no essencial, nenhuma viragem em relação ao desastroso percurso de décadas que nos conduziu até aqui. 

Permanecem as linhas essenciais de desvalorização, de empobrecimento, de elitização, de desresponsabilização e de investimento anémico na actividade cultural. Permanece a degradação do trabalho cultural. Permanece o conflito com o imperativo constitucional de democratização da cultura, que obriga o Estado a disponibilizar os meios à altura dessa missão e das necessidades do povo português. 

Em dois anos, não se verificaram passos sérios no sentido inverso ao das políticas do passado. Não foram e não são apresentadas metas concretas que apontem para um patamar de financiamento substancialmente diferente, adequado às exigências da actividade cultural, consistente com o papel da cultura na sociedade. Continuamos a perder tempo. 

Agravou-se, a devastação que assola a actividade cultural, as suas estruturas e projectos, os grupos e as pessoas que nela trabalham e a promessa de concretização do direito à cultura para todos, em todo o território nacional. A vida cultural empobrece, adoece e morre. O chão social e organizativo de que depende seca para largo tempo. 

Agrava-se também, sempre e crescentemente, a preocupante situação de envelhecimento e não-rejuvenescimento e do inexorável e crescente deficit dos recursos humanos nos organismos públicos dependentes do Ministério da Cultura, tanto ao nível técnico e científico como a nível do atendimento ao público. Este último, especialmente escandaloso quando confrontado com o extraordinário aumento de visitantes em museus e monumentos, mercê do crescimento verificado no sector do turismo. 

A proposta de Orçamento do Estado para 2018 confirma a incapacidade de traçar o novo horizonte necessário e urgente. O investimento do Estado na Cultura não aumenta. São propostos cortes em diversas estruturas e os aumentos apoiam-se, em muitas casos, no hipotético aumento de receitas próprias. Ou o governo aposta num incerto aumento do número de espectadores e de visitas ou tenciona aumentar o preço das entradas nos museus, palácios e monumentos, nos teatros nacionais e noutras estruturas de criação artística a cargo do Estado. Acresce o alto valor das cativações previstas, que têm limitado seriamente a gestão financeira dos organismos e estruturas, e a fraca execução dos orçamentos da cultura ao longo de décadas.

Num quadro de opacidade e de incerteza dos valores da execução, desconhece-se qual a expressão financeira das contrapartidas nacionais necessárias para o recurso a financiamento comunitário. 

Tanto no Orçamento, como nas linhas com que se vai cosendo a política cultural deste governo, cresce exponencialmente a aposta na profunda mercantilização de toda a actividade cultural, fazendo depender o financiamento: da cultura de indústrias como o turismo, a restauração e a produção de eventos; do falso mecenato e de interesses empresariais e corporativos; e do agenciamento ideológico, através de programas que impõem temas, formatos e dinâmicas de conteúdo propagandístico. 

Acrescem ainda os esforços evidentes e perigosos de desresponsabilização do Estado central dos seus deveres constitucionais de garantia da democracia cultural, na entrega de competências para a esfera regional e local, num país de profundas desigualdades e carências, com a perda de rigor e de exigência, e com dispersão de meios e capacidades. 

Decrescem os valores destinados aos salários dos trabalhadores do Estado, fazendo prever que prosseguirá o emagrecimento do serviço público, que dita já hoje a incapacidade de, cumprir a sua missão, com qualidade e em todo o território. 

A proposta de Orçamento do Estado para 2018 mantém a cultura no grau zero do financiamento. Espelha assim o nível de indigência da política cultural do governo que prolonga uma história de décadas de desresponsabilização do Estado.

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A plataforma Cultura em Luta reafirma a sua exigência de uma nova política cultural, assente num esforço determinado de democratização da cultura e de construção de um verdadeiro serviço público de cultura, no estrito cumprimento da Constituição da República. 

Reafirmamos a exigência de combate à degradação do trabalho na cultura, investindo no emprego estável e com direitos, designadamente com a reposição das carreiras BAD e dos museus, e no combate sustentado à precariedade, apoiando as estruturas na prossecução desse objectivo. 

Reafirmamos a exigência de combate ao trabalho não-remunerado, que alastra, rouba emprego, degrada o tecido social, afecta a sustentabilidade e o futuro da actividade cultural. Para tal, devem ser definidos com clareza e rigor os limites do trabalho voluntário. 
 
Reafirmamos a exigência de elevação imediata do financiamento para um patamar que o aproxime a passos firmes do 1% do OE até ao final da legislatura, com vista a alcançar gradualmente 1% do PIB para a cultura. Que esse caminho possa ser começado já, na discussão da especialidade do OE. 

A plataforma Cultura em Luta não aceita que a engenharia orçamental, a obsessão economicista do défice e limitações inaceitáveis aos imperativos da Constituição da República Portuguesa possam servir de pretexto para não fazer aquilo que tem de ser feito, na cultura como no país.
Reafirmamos a exigência de uma viragem política assente no programa de 12 eixos — Um Horizonte para a Cultura* em anexo, firmado no ano passado por mais de 60 estruturas culturais e representivas do trabalho cultural, nacionais, regionais e locais e centenas de personalidades.

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A plataforma Cultura em Luta apela a todas as organizações e cidadãos, entre as quais as organizações, trabalhadores e activistas da cultura, que subscrevam, divulguem e ponham em prática o seguinte plano de acção:
  1. Subscrição e divulgação, em todo o país, do presente comunicado conjunto, por todos os meios disponíveis, seja através da sua difusão electrónica, em papel ou através de leituras em locais públicos.
  2. Realização de iniciativas próprias de difusão desta posição, de debate e de protesto e de exigência de uma nova política cultural e de um reforço substancial do Orçamento do Estado para 2018.
  3. Participação na Acção “A Cultura não se fica!”, no dia 6 de Novembro de 2017, às 18h, no Campo das Cebolas, em Lisboa, ou noutras cidades onde acções idênticas se vierem realizar. 
 25 de Outubro de 2017
O Grupo de Coordenação da plataforma Cultura em Luta